segunda-feira, 2 de maio de 2011

Por favor, não morra.


Sobre a mesa da cozinha havia apenas uma toalha de mesa rendada na cor branca , café preto e bolachas. Logo adiante, na sala, estava depositado o caixão no meio do cômodo. Sobre a mesinha de centro que reajustaram junto a porta,improvisaram um altar para a Nossa Senhora das Graças, onde colocaram velas acesas ao seu redor. As beatas de pé, vestidas de preto, entoavam cantos de adoração a Deus, que mais soavam como canções de despedida.

Aos poucos ele foi se aproximando. O caixão estava aberto, sua mãe estava coberta apenas por uma manta transparente. Ao se aproximar e vê-la estendida naquela caixa de madeira não diria que estava morta se já não o soubesse. Diria que estava dormindo. Parecia até conservar um leve sorriso em seus lábios. Lembrou como ela também parecia sorrir quando estava brava. Ela gritava, mas seus lábios pareciam desenhar um leve sorriso de canto de boca, difícil saber se estava brava ou se fingia estar apenas para não perder a autoridade e o peso de suas palavras. De súbito essas graciosas lembranças esfumaçaram e ele voltou para a realidade: Sua mãe estava morta.

Com as mãos trêmulas puxou o manta transparante descobrindo o rosto dela. Acariciou-o levemente com as costas de sua mão. Sua face estava tão fria, destoando de suas lágrimas que escorriam tão quentes , tão cheias de vida. Deixou que algumas gotas caíssem em seu rosto para quem sabe enche-lo um pouco de vida e de cor. Esperou alguns segundos, mas ela não abriu os olhos. Pediu a Deus por um milagre, esperou mais um pouco. Os olhos dela continuavam fechados e suas lágrimas continuavam caindo. Lentamente recobriu o seu rosto com o manto e sussurrou:

- Mãe, eu te amo.

Suas palavras o paralisaram e o chicotearam. Sabia que não havia proferido essas palavras a ela enquanto estava viva.Por vergonha ou displicência não havia dado a ela tantos carinhos quanto ela merecia.Agora, parado em frente ao seu corpo inanimado, incapaz de ouvir, ver e sentir, surgiu a necessidade de dizer tanto a ela, tantas coisas que já pensou em dizer, mas não disse. Gostaria de ter entregado a ela as flores que catou no campo, mas que havia jogado na porta da casa por achar a atitude tola. Sentiu que não deveria tê-la censurado de beijá-lo na frente da turma ou de pegar na sua mão ao atravessar a rua ainda quando era pequeno. Devia ter deixado. Devia ter permitido que eles andassem com os dedos miudinhos entrelaçados pelas ruas e avenidas.Mas ele crescia e ao passo que crescia se sentia mais independente e queria andar correndo pelas ruas, também não queria que os amigos o vissem e zombassem dele. Talvez não tivesse se importado com isso se soubesse que as mães morriam.

Suas lágrimas que desciam leves se tornaram fortes torrentes d'agua acompanhadas de soluços compulsivos incontroláveis. Já não suportava mais a dor que havia dentro de si e correu, correu e só parou em seu quarto. Bateu a porta e jogou-se na cama. Culpou Deus, culpou a vida e culpou a si mesmo. Devia ter lhe dado amor.

Logo sentiu um calafrio tomar todo o seu corpo, uma sensação estranha de que alguém o observava. Seguido do calafrio, o medo também o possuiu. Estava com a cabeça enterrada no travesseiro, paralisado. Se perguntava que sensação era aquela, podia sentir uma presença atrás de si, mas não tinha coragem de virar e verificar se suas suspeitas tinham fundamentos. A sensação de ser observado estava paralisando-o. Aos poucos foi virando a sua cabeça para ver o que estava observando-o. O choque não permitiu que ele fugisse ou gritasse. Sua mãe estava parado ali, diante dele. Um espectro. O espectro reproduzia a mais bela imagem de sua mãe que ele conservava na memória. Ela estava em um belo vestido de festa muito colorido, batom vermelho na boca, brinco enormes e dourados, a pele rosa e os cabelos soltos. Aos poucos foi se sentindo tranquilo ao lado daquele fantasma. Lentamente o medo foi passando e dando lugar a uma sensação de conforto. Com alguma dificuldade perguntou:

- Ma- mãe?

- Meu filho...

Ao escutar a sua voz todo seu corpo estremeceu. Não podia ser fruto da sua imaginação, era demasiadamente real. Olhou para trás, esperou, virou-se novamente para frente. O fantasma permanecia parado na sua frente. Olhou-a fixamente depois abaixou a cabeça em sinal de resignação, como se fosse uma espécie de santa

- Perdoa, mãe?

- Perdoar o que, meu querido?

- Não te amei da maneira que você merecia.

- Você me amou, meu filho. Em silêncio, mas eu podia sentir.

- Mãe, você merecia flores e palavras bonitas.

Na cama Leo se retorcia, se debatia entre os lençóis. Mexia os braços, as pernas, virava para um lado, virava para o outro. Os olhos queriam abrir, mas não conseguiam. Quando finalmente acordou estava com a camisa encharcada de suor. Arfava, sem fôlego. Tateou a parede até conseguir ligar a luz. Não havia ninguém dentro do seu quarto.Sentou na cama sentiu medo. Levantou e vagarosamente seguiu pelo corredor e parou diante da porta do quarto dos seus pais. Ficou um momento em silêncio refletindo. Com bastante cuidado abriu a porta do quarto e seguiu na ponta dos pés até o lado da cama em que sua mãe estava dormindo. Escutou a respiração dela, deu um beijo de leve em sua face, sussurrou em seu ouvido que a amava e seguiu para o seu quarto.

   .

3 comentários:

  1. Demonstrar nossos afetos sempre! uma coisa q aprendi a duras penas mas q, hoje, agradeço a Deus por esta dádiva ...

    Podemos nos arrepender do que fizemos mas nunca do que deixamos de fazer ...

    Bjão

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  2. ..aiin.. quando ela falou eu quase que choro! Faça isso comigo não!!!
    [pausa pra recompor]
    De volta! AHAZÔ! A gente só dá valor qndo perde

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  3. Lindo texto.
    Aprendi a demonstrar meus sentimentos há pouco, mas deveria ter feito isso desde sempre.
    Bj

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